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Evento de combate à exploração e abuso sexual infanto-juvenil e abordagem do tema em rede nacional motivaram denúncias e mostraram que um ato cruel e criminoso pode marcar a vida inteira de crianças e adolescentes vítimas dessa brutalidade
No dia 18 de maio, a população de Bebedouro, através de evento realizado pela Rede Criança e Adolescente de Bebedouro se mobilizou para protestar contra a violência sexual no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Dois dias depois, em rede nacional de televisão, a apresentadora Xuxa Meneghel quebrou o silêncio de anos de amargura e revelou ter sido vítima de abuso sexual na infância. O tema também foi tratado no dia 29 de maio no programa “Profissão Repórter”, quando novamente foi retratado o caso da nadadora Joanna Maranhão, vítima do mesmo crime.
Fatos como estes, em especial os dois primeiros citados, motivaram denúncias de abuso sexual a crianças e adolescente também em Bebedouro e mostram que o fato pode acontecer em qualquer lugar, sem distinção de classe social ou estrutura familiar. Em vista deste problema, “O Jornal” elaborou uma reportagem para traçar um perfil do problema, identificar possíveis causas, mas principalmente, incentivar a denúncia para que crianças possam ser salvas de um mal que pode afetar e comprometer o futuro de qualquer ser humano.
Prestes a completar 50 anos de idade, a revelação de Xuxa Meneghel sobre o abuso sofrido até os 13 anos de idade é prova de que agressões físicas como esta são traumas que jamais saem da mente das vítimas. Assim como no caso da apresentadora, as vítimas nem sempre têm conhecimento de que o ato sofrido contra elas é errado ao descobrir os fatos, e que ao invés de vítimas elas se sentem culpadas, passam anos sofrendo abuso e não falam nada.
Quem explica esse sentimento é a delegada titular da Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Bebedouro, Luciana Pinto Neto. Ele alega que uma criança em torno de seis anos não sabe distinguir o carinho paterno de um carinho sexual. “Muitas vezes, ela não tem essa visão clara. Quando ela começa a ter noção, ela se sente culpada por permitir que aquilo acontecesse”, relata.
O assédio moral e psicológico é um dos fatores que muitas vezes impede que as crianças falem sobre a agressão O abusador de crianças, na maioria dos casos não usa a violência física para agir. Ele costuma fazer ameaças e utilizam o sentimento que a criança tem para praticar seus atos em silêncio. Já durante a adolescência, a delegada revela que há casos até em que mães se sentem rivalizadas. Quando a filha começa a florescer sexualmente, “ela culpa a filha por ter provocado um sentimento sexual”.
Vale lembrar que o abuso sexual contra crianças e adolescentes até 14 anos é caracterizado como crime hediondo. A pena prevista para este tipo de crime é de oito a 15 anos de prisão em regime fechado.
Bebedouro
É importante lembrar que todos os casos denunciados, sob investigação ou até mesmo encaminhados para a Justiça, são mantidos em sigilo. A elaboração dessa reportagem não visa a identificar agressões, nem tampouco expor as vítimas que jamais devem ser prejudicadas diante da coragem em buscar por justiça. De forma geral, a delegada DDM de Bebedouro, Luciana Pinto Neto, informa que a realidade local não difere do restante do Estado de São Paulo.
Ela confirma que a Delegacia da Mulher atendeu vários casos de abuso sexual infanto-juvenil este ano mas ela define: “não é um número alarmante (de casos), porém um número significativo”. A maior parte são vítimas do sexo feminino e um fator predominante é que a maioria absoluta dos casos é cometida por pessoas da família, como pai, avô, tio, entre outros parentes. Já em segunda instância aparecem atos cometidos por pessoas próximas ou ligadas à família da vítima como padrastos ou amigos. “São pessoas que se beneficiam da proximidade, da extrema confiança ou de uma autoridade sobre o menor para praticar o abuso”, diz a delegada da DDM.
Há dois meses no Conselho Tutelar de Bebedouro, a conselheira Elaine Zaíra dos Santos Caran Sabbag recebeu denúncia após a declaração da apresentadora, que incentivou o aumento das denúncias em todo país. Ela informa que a função do Conselho Tutelar é a de proteção à vítima. “É de tirar daquele meio, de uma situação deprimente, em que a criança se vê humilhada, fragilizada, com medo e colocá-la em local seguro”, informa.
Em todos os casos, o Conselho procura a mãe, avó ou alguma pessoa da família que proporcionará um abrigo seguro à criança e ao adolescente. Mas a conselheira ressalta também que muitos casos ainda não chegam ao Conselho Tutelar. “A gente sabe que existe, mas se não houver denúncia, com informações que nos ajudem, não temos como apurar, averiguar e entender a situação”, relata Elaine.
Denúncias
Com mudanças recentes na lei, qualquer pessoa, independentemente de ser vítima ou não, pode denunciar. A delegada Luciana Pinto Neto lembra que a tendência é que a sociedade tenha mais sensibilidade em relação à violência e atualmente, casos como o de abuso sexual infantil chocam muito mais do que antigamente. “É natural que as pessoas, se sentindo menos tolerantes a esse tipo de violência, falem mais sobre isso”, relata a delegada. Para ela, hoje em dia não existem mais casos e sim, mais denúncias.
A delegada ressalta que a primeira atitude a ser tomada é de ensinar a vítima a reagir. “Ensinar a vítima a reagir de forma agressiva, a gritar, berrar, contar o que está acontecendo. Ela tem que aprender desde cedo que isso existe e que é possível evitar”, comenta Luciana. O ato de expor que algo de errado acontece dentro de casa pode contrastar com a atitude de denunciar alguém que deveria proteger a criança. “Se a criança não encontrar proteção na casa dela, é importante que ela encontre em algum lugar, na escola com a professora, com uma tia… Ela precisa se sentir segura para relatar seu sofrimento”, completa a delegada.
Após a denúncia, dentro de casa, o caso dever ser denunciado na DDM ou no Conselho Tutelar, para que o problema seja combatido. Para a conselheira Elaine Sabbag, a denúncia é sigilosa e de fundamental importância para que as atitudes sejam tomadas. “Se a pessoa não denunciar, não falar, não expor o que ela está sentindo, será difícil resolver. Sabemos que é difícil em um primeiro momento, mas nossa função é cuidar, é proteger”, garante. No caso atendido, a conselheira afirma que após a denúncia, a sensação é de alívio. “Alívio por poder falar e desabafar sobre algo reprimido”, relata.
Sobre a falta de denúncias, a delegada Luciana faz uma grave afirmação: “se você me perguntar se existem famílias que ainda guardam o problema a sete chaves, eu vou te garantir que existem”. O silêncio e a falta de denúncias de crimes que afetam crianças e adolescentes certamente acarretarão problemas psicológicos no futuro. “Tudo o que é reprimido ocasionará algo no futuro em todos os setores da nossa vida”, acredita a conselheira Elaine, que exemplifica a possibilidade de problemas no relacionamento, no ambiente escolar, na aprendizagem, no trabalho, entre outros.
Procedimentos
As pessoas que têm algum conhecimento de fato, suspeita ou denúncia a ser feita, pode comparecer à Delegacia de Defesa da Mulher em Bebedouro para dar andamento na investigação de um crime hediondo. A delegada explica que, caso alguma evidência seja encontrada, a criança pode ser encaminhada para o Instituto Médico Legal (IML) para exames comprobatórios, para a Vigilância Epidemiológica para exames de saúde ou até mesmo para a Saúde Mental para tratamentos psicológicos.
Já o Conselho Tutelar é responsável pelas medidas de proteção à família e encaminha as vítimas para órgãos específicos. As conselheiras fazem visitas periódicas, averiguam e apuram os fatos e encaminham para cada setor encarregado, entre os órgãos que compõem a Rede Criança. Em Bebedouro, as vítimas e parentes são atendidos por órgãos como o Centro de Referência Especializada de Assistência Social (Creas), Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), Centro de Atendimento Psicossocial (Caps) e a área da Saúde Municipal.