Nem
a desvalorização cambial, nem a concorrência asiática, impediram a
recuperação do setor calçadista brasileiro no ano passado: impulsionadas
pelo aquecido mercado interno, as vendas de sapatos registraram em 2010
o melhor resultado da década, e contribuíram para a retomada do
crescimento do ramo, segundo levantamento das associações que
representam as indústrias e o varejo.
Ao longo do ano passado, o comércio brasileiro vendeu 744 milhões de
pares de calçados, um crescimento de 6% em relação a 2009, quando 702
milhões foram comercializados. Em 2008, ano marcado pela crise
financeira mundial, o consumo subiu, mas em menor proporção: 3%, com 669
milhões de pares vendidos. Em 2010, em termos de valores, o setor
contabilizou a venda de R$ 37,7 bilhões, contra R$ 33,5 bilhões em 2009 –
avanço de 12,5%.
Os números fechados de 2010 pela Associação Brasileira das Indústrias de
Calçados (Abicalçados) e pela Associação Brasileira de Lojistas de
Artefatos e Calçados (Ablac) devem ser apresentados nesta semana, em São
Paulo, durante a 38ª Feira Internacional de Calçados, Artigos
Esportivos e Artefatos de Couro (Couromoda).
Contribuiu para esse resultado a expansão do crédito e da renda dos
consumidores, que passaram a comprar produtos de maior qualidade e mais
caros, segundo o presidente do evento e diretor da Abicalçados,
Francisco Santos. De 2009 para 2010, o preço médio dos pares de sapato
passou de R$ 47,72 para R$ 50,68 - aumento de 6,2%.
“A cadeia produtiva do país está sofisticada, e os calçados, por conta
da concorrência, estão com mais valor agregado e sendo vendidos a preços
mais competitivos do que no passado. Isso é um estímulo para os
consumidores, que têm contado com maior poder aquisitivo e comprado mais
sapatos do que em anos anteriores”, afirmou Ana Caroline Fernandes
Nonato, do Programa de Administração de Varejo (Provar), da Fundação
Instituto de Administração (FIA).
A penetração de marcas populares também tem impulsionado as vendas no
mercado interno. “O acesso ao consumo proporcionado pelo boom econômico
abre um novo leque de clientes em todas as faixas sociais. Essas marcas
mais populares permitem que as pessoas comprem dois ou mais pares em vez
de um só, por exemplo”, disse Santos. No país, o consumo per capita por
ano é de cerca de quatro calçados, segundo dados do Censo de 2010.
“O setor calçadista entendeu as mudanças de comportamento dos
consumidores, mudou sua cadeia de produção e o próprio varejo também
mudou. O sapato passou de um item básico para um item de moda. Muitos
trocam de sapato conforme as coleções mudam”, afirmou Heloisa Onine,
professora da pós-graduação em Comunicação com mercado, da ESPM.
Made in Brazil
O desempenho positivo verificado no mercado interno também se repetiu
nas exportações, que tentam retornar ao nível pré-crise, tendo ainda de
enfrentar a concorrência dos produtos asiáticos e a desvalorização do
dólar, que torna as importações mais vantajosas.
As estimativas do setor apontam que, em 2010, foram exportados perto de
140 milhões de pares de calçados, movimentando cerca de US$ 1,4 bilhão.
Em 2007, os negócios somaram US$ 1,9 bilhão. Nos anos seguintes, a queda
se manteve. Em 2008, as vendas chegaram a US$ 1,8 bilhão e, em 2009,
caíram para US$ 1,3 bilhão.
“O setor está saudável, mas estamos atentos à condução política do país
neste início de ano. Temos de esperar do governo medidas que melhorem e
devolvam nossa competitividade no mercado internacional, além de uma
política tributária mais equilibrada e da resolução dos gargalos de
infraestrutura e logística que fazem parte do Custo Brasil”, disse. A
capacidade de produção da cadeia brasileira é de 1 bilhão de pares por
ano.
Para o diretor da Abicalçados, a política antidumping adotada pelo
governo para inibir a importação de itens chineses ajudaram o setor
calçadista. No entanto, a proposta dos fabricantes para este ano é
propor que as medidas sejam ampliadas para outros países, como Vietnã,
Malásia e Indonésia.
Entre os mercados importadores dos produtos nacionais estão Estados
Unidos, que lideram as compras, seguido por Argentina, Reino Unido e
Itália. Neste ano, do total de 860 milhões de pares produzidos, perto de
140 milhões foram exportados.
Criação de empregos
O recorde de vendas se traduz em recuperação da criação de vagas de
trabalho no país. De acordo com dados do Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, de janeiro a novembro
de 2010 – os dados referentes a dezembro ainda não foram divulgados – o
saldo de postos de trabalho no setor de calçados é de 51.098. Em 2009,
foi de apenas 13.387 e, em 2008, ficou negativo em 8.703.
A Couromoda reunirá cerca de 1.000 empresas para apresentar as coleções
outono-inverno de cerca de 2.000 marcasAlém do Rio Grande do Sul e da
cidade de Franca, no interior de São Paulo, que concentram a produção de
calçados do país, têm ganhado destaque no mercado, segundo Santos,
estados do Nordeste, como Ceará, Bahia e Pernambuco. Atualmente, há 20
estados produtores de sapatos.
Mais procura, mais qualidade
A tendência do mercado, na opinião de especialistas, é que sejam
mantidos, neste ano e nos próximos, o aumento da demanda, da
competitividade e, consequentemente, da qualidade dos produtos à venda
nos mercados interno e externo.
“O setor deverá se manter assim, como está hoje. Os consumidores estão
seguros de que não deverá haver nenhuma grande mudança no país, por
conta do novo governo, e otimistas. Só é preciso atenção ao
endividamento”, disse Ana Caroline, do Provar.
Feira
De 17 a 20 de janeiro, será realizada a 38ª edição da Couromoda no
Pavilhão do Anhembi (zona norte da capital). O evento reunirá cerca de
1.000 empresas expositoras para apresentar as coleções outono-inverno de
aproximadamente 2.000 marcas. As empresas participantes da feira
representam 13 estados e respondem por 90% da produção brasileira do
setor.